Seria perfeito
Não entendo muito bem esse instinto maternal que as mulheres nutrem pelos maridos, companheiros, namorados ou como se quiser chamar, ao tipo com quem compartem cama e casa. Mas gostava de ter um assim ao meu lado – assim com esse instinto maternal, entenda-se –, que me lembrasse que tenho consulta marcada no dentista, que deveria ir ver porquê o meu joelho direito está sempre inchado, que seria conveniente que fechasse as portas do roupeiro, que para ter a casa arrumada ajudaria que não largasse em qualquer sítio a roupa, que me levasse os fatos à lavandaria e tivesse o jantar preparado à minha indecente hora de chegada, que desabrochasse um orgulho bonito ao dizer: “mas ela ajuda-me, a minha Uma vida qualquer, lava a loiça e arruma a mesa quando acabamos de jantar, e nalguns fins-de-semana, até põe a casa de banho a brilhar!”.
Não entendo muito bem essa dificuldade que os homens têm em ser amigos das mulheres, companheiras, namoradas ou como se quiser chamar, à tipa com quem compartem cama e casa. E não gostaria de ter um assim ao meu lado, porque conforme um leito se põe por meio de uma relação – e não propriamente para fazer uma siesta, que é a sua segunda melhor utilidade – um qualquer bloqueio atinge os cérebros masculinos, e a utilização do órgão expositor da sua virilidade parece incompatível com a da sua tão apreciada amizade. Logo vão aparecendo: esses eternos e incómodos silêncios, que antes eram preenchidos por longas e reconfortantes conversas sobre tudo e sobre nada; as reclamações dos defeitos que sempre existiram, mas que outrora eram vistos como simples apanágios da personalidade feminina e essa capacidade inigualável de tentar ajustar as formas para não ferir a amiga insubstituível, desaparece velozmente atrás de uma qualquer loira bebível ou de algum rabo de saias.
Não entendo muito bem essa dificuldade que as relações têm em manter a chama acesa, a paixão, a surpresa, no fundo, aquilo que toda a gente se queixa, desaparece com o passar dos dias, com o avançar do tempo. Necessito que alguém me explique, porquê se deixa a rotina tomar conta da vida, os hábitos da rotina e nós dos hábitos e assim terminamos encadeados aos hábitos da rotina da nossa vida. Necessito que me respondam se com o passar do tempo a luz do sol será opaca, se a escada da lua será rolante e deixará de funcionar, se o vento não voltará a soprar. Porque deveria ser proibido viver assim, sem vontade de sorrir.