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30 maio, 2006



Flores


Não sendo grande apreciadora da espécie, o facto é que nunca esquecerei a primeira vez que recebi uma. Verdade seja dita, apesar de tudo o “romântica e idealista” talvez não esteja assim tão longe da verdade – sempre e quando seja o coração a falar, o que é raro. Tenho gravado o momento, como guardamos todos os instantes importantes, com a lembrança das sensações – e é que nunca contamos o que aconteceu, apenas a nossa percepção dos factos.
Paris, mas propriamente Pigalle, a Páscoa de 93 – bonita idade a da maioridade! - de mão dada com alguém que recordo mas cujo nome esqueci há muito tempo (rebusco mas não o encontro), num passeio nocturno onde a abordagem incessante dos charlatães dos diversos estabelecimentos menos recomendados, nos faziam tentar fugir deles como o diabo da cruz. Paramos repentinamente e apenas uma fracção de segundo... quando me voltei para tentar entender o que se passava – não queria eu acreditar, que algum daqueles farsantes tivesse encontrado a palavra certa para despertar o interesse do meu acompanhante – deparei com uma rosa vermelha, frente a um rosto contagiantemente sorridente … nunca esquecerei aquela viagem, nem aquele momento, nem a ele … mas acho que jamais voltarei a recordar o seu nome.

29 maio, 2006

Amanhã será mais fácil

Suponho que a arrogância de pensar que somos especiais e diferentes, não nos deixa acreditar que nos podem enganar, com tanta facilidade, como a uma criança com o mito Pai Natal, principalmente quando não conseguimos discernir o suficiente como para encontrar uma justificação plausível para tal maldade – e não me refiro ao mito Pai Natal, que esse ao menos serve para que as criancinhas mais revoltosas se comportem condignamente durante o mês de Dezembro.
Nunca entendi a necessidade que algumas pessoas têm de sentir-se bajuladas pelos outros, mesmo que para isso tenham que mentir, dissimular, inventar, imaginar e criar uma personagem de ficção suficientemente interessante para despertar o interesse que elas pensam que não possuem.
O certo é que apesar de tudo – e de saber que o fui - não me sinto enganada, bem repito há muito tempo que não devemos subestimar o poder da negação - para o caso o da minha racionalidade. É que custa explicar que para uma vez que deixou o coração decidir, ele se tenha deixado enganar!

25 maio, 2006

Olhos nos olhos

Tu, eu, uma garrafa de vinho – da qual não precisas de beber –
e tempo - o necessário para que não fique nada por dizer.
Distância, apenas a suficiente como para ouvir-te respirar
ou identificar o cheiro do perfume que usas – se é que usas algum.
Assim são as conversas olhos nos olhos, pelo menos as minhas,
as que aprecio e relembro quando preciso um motivo para sorrir.
E não fazem sentido de outra forma.
Sobram o teclado, o monitor, a tua fotografia estática e o meu por de sol,
e as câmaras, se existissem, principalmente as câmaras.
Sem dar conta, andamos às voltas com as palavras, com as conversas.
Não conhecemos as nossas vidas, porque – felizmente – suponho que qualquer um de nós,
tem com quem partilhar esses momentos do dia a dia.
Por necessidade ou educação habituamo-nos a perguntar: como estás?
a intervalar as respostas, comentários ou perguntas,
como se houvesse uma ordem a respeitar,
a confessar que gostamos de falar um com o outro,
como se tivéssemos que justificar o tempo que utilizamos para o fazer,
a trocar elogios e reparos, como as crianças trocam berlindes.
Olhos nos olhos, são outras conversas,
porque não há atrás do que se esconder,
porque não se quer esconder nada,
porque não se é mais uma,
porque não é apenas mais uma.
Assim são as conversas olhos nos olhos, pelo menos as minhas,
uma partilha onde se ouve, se fala, se ri e se chora se for caso,
porque se é especial, porque se está com alguém especial.


SBD 15.05.2006

Apetecia-me muito ter uma conversa olhos nos olhos contigo, infelizmente, para isso é necessário algo que te falta, sinceridade, o que tornaria a nossa conversa olhos nos olhos, num meu monólogo de olhos num apetecível copo de vinho tinto.

24 maio, 2006

Sede de poder

A pior epidemia do século XXI não pode ser outra que a sede de poder. Convencionou-se, não sei porquê nem por quem, que o poder nos atribui um estatuto invejável aos olhos dos outros e todos o anseiam – como se nos proporcionasse uma passagem de ida e sem regresso marcado àquele destino paradisíaco, ou não, que há tanto almejamos. E não deixa de ser caricato ver os corpos inchar, como disformes balões infantis repletos de hélio. O que certamente os cérebros desses corpos esquecem, é a rapidez com que se afastarão de tudo e todos ao tempo de esvaziar.

23 maio, 2006



Nunca deveríamos deixar as nossas decisões, acabar num ponto de interrogação cuja resposta não nos pertence.




Não sou apologista de deixar as decisões da minha vida em mãos alheias, se a vida tem que dar-me uma bofetada, que seja de mão cheia. E ainda tenho a face vermelha, os dedos desenhados no meu rosto e a incómoda sensação de que poderia ter sido diferente - não foi a vida, na realidade nunca é. Valha-me um orgulho maior que o ego de Narciso, para passear a minha nova maquilhagem como quem desfila com a última criação de Paco Rabanne. Porque apesar de tudo, a última palavra foi minha, por muito que me arrependa de a ter dito - o que em consciência não deveria fazer - mas é que a luta entre o coração e a razão, dura já há tanto tempo, que ninguém sabe dos tiles, e a cedilha está prestes a cair.