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04 junho, 2006



Revelações


É interessante verificar que conhecemos a vida de metade da humanidade e ignoramos completamente a nossa. Porque na realidade os percursos dos nossos avós, tios e pais – e todo aquele que vulgarmente se diz do nosso sangue, alguns dos quais eu dispensava - mais não são do que o anteceder da nossa própria vida e conhecendo-os acabamos por entender mais claramente quem somos.
Numa das muitas reuniões de família que realizamos em casa dos meus pais, todos felizes e contentes à volta de um panelão de caracóis – sabe Deus que eu nunca teria cometido o pecado de provar tão baboso animal, não fosse o aroma irresistível que o tacho desprende – acabei sentada na chão a tentar entender como foi possível eu nunca ter percebido que o maltrato do meu avo paterno à minha avó mau feitio – copia que sou dela – tinha marcado profundamente e para sempre os seus filhos. Que aquelas fugas a Lisboa, criança de meses debaixo do braço, tinham-no ferido de morte e que não seria capaz de conter as lágrimas por muito que quisesse quando tivesse que relatar esses factos.
Sempre fui consciente que tive uma avó progressista – não entrava na cabeça de ninguém há 50 anos fugir do marido por maltrato, afinal essa era a regra – e com uma personalidade um tanto ao quanto peculiar – estar calada nunca foi o seu forte, é natural que ele perdesse as estribeiras haviam muitos de pensar, porque me pareço eu a ela?!. Sempre a admirei por dizer aquilo que pensava fosse a quem fosse e onde fosse e por nunca se ter resignado a viver uma vida infeliz, é assim que me lembrarei sempre dela.
Hoje vi a outra face da moeda, a de uma criança de mais de 60 anos, machista por natureza, educação e convicção, deixar cair as lágrimas ao lembrar a mãe a dizer-lhe: "..eu mando-te buscar".

A capacidade de ocupar o lugar de outro,
varia sempre da vontade, ou não, de entende-lo.