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22 maio, 2007

O medo assustado

“…Ninguém melhor que Pessoa para ilustrar com palavras o que nós apenas conseguimos sentir...Permite-me partilhar.
"Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural. A coerência, a convicção, a certeza são, além disso, demonstrações evidentes - quantas vezes escusadas - de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada tem a obrigação cerebral de mudar e de certezas várias vezes no mesmo dia…" Fernando Pessoa “

“…pouco me importa ser uma seca invariável (por personificar, como é obvio, que afinal os egos necessitam alimento) e não gosto que me tratem por criatura, que vistam cortinas às janelas da minha inteligência (ou falta dela) porque filtram a luz e a sensibilidade que carrego, tenho-a anestesiada desde que fomos apresentadas, pelo que ser coerente, não passa de ser eu (o que nem sempre é fácil, confesso) …”

“Acabo de voltar à dura realidade, afinal de contas já lá vão 33 anos e ainda não tivemos coragem de fazer outra Revolução, por isso lá vamos cantando e rindo e eles comem tudo e não deixam nada... A discussão e a sã discordância são o sal (e quantas vezes a pimenta) das relações entre seres inteligentes e que não abdicam de usar essa sua capacidade. Tal como a provocação ao uso dessa mesma inteligência é o ganha-pão dos poetas. É assim que entendo o texto de Pessoa, uma provocação…
E há algo que alimente mais o nosso ego do que descobrir que somos ainda (e sempre) capazes de mudar e causar mudanças nos outros?...”

“As revoluções perderiam o sentido - se alguma vez o tiveram - se acontecessem cada 27 anos, 3 meses e 15 horas e eles, sejam lá que eles são, comeriam na mesma até ficar fartos, como aliás fazem. E quanto à tua questão, dizer-te que o meu ego se alimenta de devaneios sem sentido e cuidadosamente escondidos de outros olhos, que não os meus, mais que nada porque passa da anorexia à obesidade com relativa rapidez, e não é conveniente mostrar ao mundo (esse que não me entende, nem quero entender) os meus distúrbios alimentares…”

“… As Revoluções não podem ter hora marcada, mas deve haver coragem de as fazer sempre que a vontade de mudar é maioritária e bloqueada por minorias ou minudências sem sentido…”

“…As revoluções deixaram de fazer sentido, desde que se grita a democracia às 3 da manhã com o sangue em minoria nas veias onde corre o álcool. E a maioria de borregos sempre abrimos passo a uns poucos que decidem tudo, e aplaudimos umas vezes e queremos espancar outras. E de minudências é feita a vida.
E o meu ego não é tímido, é anoréctico - como estariam as minhas plantas se a compaixão maternal não as levasse para casa - que eu só sei tratar de mim, tudo o resto tem que ser auto-suficiente ou acabará por falecer de esquecimento, coisas da independência ou de uma dependência à liberdade, algo absurda; e ele é rebelde, sem causa obviamente, mas não um revolucionário com intenções de arrombar a porta de qualquer armário…”

“…Tentando começar pelo princípio e seguir alguma linha de raciocínio - sem contudo abafar a liberdade criativa e emotiva, sem as quais todos os escritos se tornam meros exercícios académicos - arrisco-me na aventura da procura das palavras, que construam frases, que consigam ilustrar estados de alma, introspecções várias, interpretações de ego. Aventura que contém perigos vários, pois não há nada de mais perigoso, e por isso também de mais emocionante, do que tentar passar a outrem, de forma crível e entendível, interpretações, convicções e emoções que são nada mais que construções nossas - e por isso muito queridas - permitindo ao eleito ouvinte/leitor o uso do seu senso crítico, que se identifique ou as repudie ou critique. Mas, quanto a mim, é esta aventura que consubstancia a dita partilha da qual é feita a vida…
…É o "Grito de Ipiranga" que nos vem do intimo, e que maioritariamente calamos à força, transformando tudo em revoluções falhadas ou silenciadas, onde nos transformamos em borregos de rebanho sem vontade própria, submissos à nossa própria tirania. Mas dizemo-nos livres. Mas chamamo-nos independentes. Seremos realmente? Esta é uma pergunta que me faço com estranha regularidade. Talvez comece a ter consciência que só serei verdadeiramente livre e independente quando aceitar que quase tudo o que me oprime, ofusca, magoa e reprime está em mim e na minha "imagem de marca" antes de estar nos outros. Outros esses que até conseguem estender-me uma mão amiga, gostar de mim, por vezes até desejar-me, sem que eu não faça nada disso por mim próprio…”

“…O que me transcende, é não entender como é possível que alguém continue a fomentar o: "Está na mesma" e essa "imagem de marca" caduca, que possivelmente pouco tem já de real, sabendo a mudança ao alcance de uma mão que existe…
Saltas do colectivo para o individual e do eu para o nós com tamanha facilidade, que chega a ser constrangedor pensar que a confissão é tua e não duma qualquer consciência social. Revolução?! Que pretendes revolucionar? a ti ou esse mundo que tentas mantenha uma imagem que nem tu sabes se existe?...”

“…Efectivamente Freud seria capaz de explicar muita coisa... Mas há sempre aquilo que nem Freud é capaz de explicar, ou encontramos nós as respostas ou nunca as vamos ter.
Em conceito puro (até me dou ao luxo de criar conceitos), "imagem de marca" é o conjunto de características que de tão propaladas (independentemente de existirem ainda ou não) se transformam na quase única ideia que os outros assumem de nós e da nossa personalidade. "Revolução" também em conceito puro (criado por mim) é o acto de revolta contra a "imagem de marca", a tentativa de fazer valer a essência e viver a essência (minha e dos outros) sem constrangimentos nem pré-conceitos criados e alimentados acima de tudo por cada um de nós, mas também pela forma como sistematicamente olham para nós. Destes conceitos, da sua inter-relação e da relação deles com o indivíduo e os que o rodeiam, nasce a dificuldade ou mesmo impossibilidade (muito bem identificada por ti) de falar exclusivamente na 1ª pessoa ou na 3ª ou em qualquer outra. Porque (também na essência) é impossível estar bem só (diferente de sozinho) e mesmo que inconscientemente procuramos (ou será só procuro?) a melhor forma de nos relacionarmos e viver a essência dessas relações. (Confuso? Até eu estou com dificuldades...)
Em resumo (se bem entendo o que escrevi): Anda meio mundo à procura da mão do outro meio e não se encontram... “

“…E explicado dessa forma, com conceitos e definições em forma de manual explicativo, entendi o desabafo, mas continuo a não compreender o que me transcende, desta feita elevado a problema social da Humanidade…”

5 Comments:

Blogger Ana retalha...

«E há algo que alimente mais o nosso ego do que descobrir que somos ainda (e sempre) capazes de mudar e causar mudanças nos outros?...”»
Que bom que seria se todos pensassem assim...
Que pena que tantos ainda vivam presos à imagem que criaram nos outros e que querem manter a todo o custo...
Quantas oportunidades se perdem por essa mesma incapacidade de mostrar aos outros que se mudou, de ver a mudança como algo bom e não uma derrota, de perder o medo dos comentários que a mudança mereça?
Bjs

22 maio, 2007 17:16  
Blogger Ana retalha...

PS: não leves a mal as reticências, são apenas sinal de que as palavras que ficam encerram algo maior que elas próprias e de que nem tudo se pode dizer textualmente.

22 maio, 2007 17:17  
Anonymous Anónimo retalha...

SÃO OS LOUCOS DE LISBOA (OU DE OUTRA METROPOLE) QUE NOS FAZEM DUVIDAR... LÁ LA LA.
MINHAS "PEQUENAS" OVELHAS DE NENHUM REBANHO E DE TODOS, COMO GOSTEI DE FECHAR OS OLHOS E VISUALIZAR UMA MESA REDONDA, TRÊS COPOS DE VINHOS, PÃO E CHOURIÇO COM FARTURA, CINCO VELAS ACESAS, DOIS MAÇOS DE TABACO VAZIOS E OUTROS TRÊS POR ABRIR, O RELOGIO A DAR AS BOAS VINDAS Á MANHÃ, SEIS OLHOS VERMELHOS, DUAS ALMAS ENCANTADAS E UMA A SORRIR, ZERO CERTEZAS E DOZE DUVIDAS, UMA MUSICA SUAVE NO HORIZONTE E UMA CONVERSA QUE SE PODE ESTENDER ETERNAMENTE.
BEIJ NA TUA(VOSSA) LOUCURA

29 maio, 2007 17:47  
Blogger Uma vida qualquer retalha...

Bem me queria parecer que faltava um comentário.
Beijo na tua alma sorridente.

29 maio, 2007 18:53  
Blogger Uma vida qualquer retalha...

Ah, e falta-me também o queijo!

29 maio, 2007 20:08  

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